“(...) que a prostituição vem da pobreza geral, da miséria proletária, da promiscuidade, das habitações coletivas, da falta de educação profissional e de trabalho honesto, dos lares desfeitos e defeituosos, do alcoolismo paterno, da infância desarrimada (...) desvirginadas muito cedo, antes mesmo da menarca, são varridas de casa pelos pais intolerantes e arbitrários, aliam-se às más companhias, são ultrajadas pelos patrões sem escrúpulos e pelos chefes que exploram sua dependência (...) que respeitam o anonimato e não lhes pede qualquer qualificação, a não ser a de seus dotes físicos” (Hélio Galvão apud FRANÇA, 1994, p. 146)
Figura 1: Mapa do Marajó - www.google.com/imagem, 2011 |
A prostituição não é um problema apenas do Marajó, é de todo o Brasil. Os termos “pobreza, promiscuidade, habitações, educação, trabalho, lares, alcoolismo, infância, pais intolerantes, más companhias, etc”, deixam bem claro algumas da realidade que atravessam a história da sexualidade de crianças, adolescentes, jovens e adultos em todo o território brasileiro. Exemplo disso é o filme “Anjos do Sol”, de Rudi “Foguinho” Lagemann, lançado no Brasil no dia 18 de agosto de 2006. Esta realidade explica bem o termo prostituição que deriva do latim prosto, que quer dizer “estar às vistas, à espera de quem quer chegar ou estar exposto ao olhar público (...) é a prática sexual remunerada habitual e promíscua” (FRANÇA, 1994, p.145).
O elenco é composto entre outros por Antônio Calloni, Vera Holtz, Chico Diaz, Roberta Santiago, Otávio Augusto, Mary Sheyla, Darlene Glória (no papel da cafetina Vera), Bianca Comparato e a estreante Fernanda Carvalho, a protagonista, que tinha apenas onze anos na época das filmagens. Na sua primeira sessão pública, realizada durante o Miami International Film Festival, conquistou o prêmio do júri popular para Melhor Longa de Ficção Ibero-Americano. O filme explica de forma evidente como ocorre o abuso sexual e tráfico de crianças no Nordeste.
|
No enredo do filme “Anjos do Sol”, Tadeu é um homem que recruta adolescentes para se prostituir. No verão de 2002, quando ele chega numa cidade do interior do Nordeste, foi a até a casa de uma família bem pobre, os pais venderam uma criança aproximadamente de 12 anos de idade que se chamava Maria (personagem central da trama).
Maria acreditava que iria morar na casa de uma tia no Rio de Janeiro. Os pais mentiram para vendê-la por viverem na pobreza e não terem condições de ter uma vida melhor. Eles fizeram a menina acreditar que teria uma vida melhor sendo criada por outra família. O caso de Maria não é isolado, ela encontra com outras meninas e fica presa na casa de Nazaré, uma cafetina que alicia as meninas e as vestes sensualmente para seus novos “padrastos” (parceiros sexuais) em leilões de meninas virgens em sua casa. O preço chega até R$ 5. 000,00 no leilão.
Neste leilão Lourenço escolhe e compra duas meninas, a Maria e a Inês. Ele dá de presente Maria para seu filho Edgar desvirginá-la e fica com a Inês. Não conformado com situação de rejeição de Maria, Lourenço pede ao filho bata em Maria para que ela o obedeça. Depois que eles fizeram o programa com elas, Lourenço envia Inês e Maria para um prostíbulo localizado numa cidade pequena, próximo a um garimpo, na floresta Amazônica onde ficam as terras de Saraiva.
Ao chegarem à casa de Saraiva, Inês e Maria são recebidas pelo seu novo padrasto. Saraiva compra roupas, perfumes, sapatos para as meninas com a condição delas fazerem o que ele mandar. Ele desconfiado pergunta se algumas delas sabem ler e escrever, mas o funcionário de Lourenço disse que não. Saraiva manifesta seu contragosto a prostitutas alfabetizadas porque atrapalha os negócios com eles e os fregueses.
À noite ele anuncia numa espécie de rádio que chegou novas meninas. Os homens do garimpo passaram a freqüentar a casa e a explorar todas as jovens entre elas Maria e Inês que não agüentando mais as condições de vida resolveram fugir, mas Inês foi capturada e como castigo foi arrastada na rua até morrer por um carro. Já Maria recebeu o castigo de servir todos os clientes á noite toda.
Após meses sofrendo a exploração sexual e abusos, Maria consegue fugir do prostíbulo e atravessa o Brasil numa viagem de caminhão. Quando chega ao Rio de Janeiro o comércio do corpo se interpõe novamente na sua vida frente aos novos desafios da grande cidade.
No rio Tajapuru – Marajó das Florestas-Pa, muitas crianças, meninas na fase da adolescência e outras da juventude iniciam a experiência da vida sexual muito cedo e com múltiplos parceiros, mas com um diferencial espacial: nas balsas que navegam os rios da Amazônia. Essas meninas-mulheres são levadas pelo regime da força física e psicológica. Obrigadas nas relações de poder por suas famílias a deixarem suas casas para irem se prostituir.
Faces da Infância no rio Tajapuru - Marajó das Florestas / Pa
As águas do rio ditam o curso de vida de famílias do rio Tajapuru. A pobreza e o desespero. Mães deixam de lado seu instinto e entreguem suas filhas menores a adultos como única alternativa de sobrevivência. Sonhos roubados, sufocados. Crianças manipuladas, que fazem sexo por dinheiro. Meninas enganadas que oferecem seu corpo para satisfazer o prazer de adultos. Cenas fortes e inquietantes, desvios de conduta. O programa “Conexão Repórter” revela o lado obscuro da infância brasileira. A pureza trocada pelas leis do mercado do sexo.
Ilha de Marajó, Pará. Aqui a exploração sexual infantil acontece nos rios. As balsas levam junto com as águas turvas, a inocência de crianças e adolescentes. Populações esquecidas pelo poder público.A maioria cresce sem ter acesso aos serviços básicos de saúde, saneamento, educação. O Conexão Repórter encontrou uma garota que tem apenas oito anos de idade. Sua companheira inseparável é uma boneca. Mas seu tempo para brincadeiras é curto. Ela tem que garantir a comida da família. E os que a exploram, sabem disso. Ela sai de canoa todos os dias com a mãe. Não é para pescar, mas para se prostituir.
Ilha de Marajó, Pará. Aqui a exploração sexual infantil acontece nos rios. As balsas levam junto com as águas turvas, a inocência de crianças e adolescentes. Populações esquecidas pelo poder público.A maioria cresce sem ter acesso aos serviços básicos de saúde, saneamento, educação. O Conexão Repórter encontrou uma garota que tem apenas oito anos de idade. Sua companheira inseparável é uma boneca. Mas seu tempo para brincadeiras é curto. Ela tem que garantir a comida da família. E os que a exploram, sabem disso. Ela sai de canoa todos os dias com a mãe. Não é para pescar, mas para se prostituir.
Figura 3: Ilustração das balsas no rio Tajapuru - aluna Antônia Duarte, 2009 |
Nas balsas as crianças sobem clandestinamente para fazer programas sexuais. Com o barquinho engatado, nossa personagem sobe na embarcação. Atracar na balsa é uma operação perigosa e clandestina. Em um flagrante inédito, um homem abraça a menina e os dois entram na cabine. Uma imagem comum no rio Tajapuru, Ilha de Marajó. Depois de meia hora, a menina volta da embarcação. Ela traz um balde com vísceras de boi. Esta foi a moeda de troca pela "visita" a balsa.
Nas paisagens do rio, a exploração sexual infantil ganha contornos dramáticos. As crianças se prostituem com a autorização e o incentivo das mães. Uma realidade cruel. Um destino implacável. O Conexão Repórter também mostra outro flagrante: uma mãe conversa pelo rádio amador com um dos tripulantes das balsas. Ela faz a ponte para a filha. Nós levamos as imagens para delegada da infância e juventude do Pará. Ela fica impressionada com o flagrante de exploração sexual. Nós identificamos a balsa Calile Camelly em Manaus, no Amazonas. Ela estava atracada no porto para manutenção. Entramos na embarcação. Mas a maioria nega o envolvimento de tripulantes com menores de idade.
Bispo acusa os poderes públicos de se omitirem no combate a crimes
Um Estado em situação de ingovernabilidade, omisso diante da exploração sexual infantil e com forte presença do narcotráfico. O quadro descrito pelo bispo do Marajó, dom José Luiz Azcona, em entrevista em Belém, estende-se a todo o Pará a condição crítica observada no arquipélago.
O bispo, de 68 anos, que completou 21 anos à frente daquela prelazia, é autor da tese de doutorado “O Povo Marajoara na Ótica da Igreja Católica”, publicada no Brasil e na Itália. Estudioso e profundo conhecedor da vida na região, é um dos maiores defensores do povo do Marajó.
Em tom de indignação, dom Azcona, que está ameaçado de morte, fez pesadas críticas às diversas esferas do Poder Público, a quem considerou omissas com a região, apesar das freqüentes denúncias encaminhadas por entidades como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Criticou o sucateamento dos conselhos tutelares e destacou que os casos mais graves têm acontecido em Portel e afirmou que Breves “é um antro de perversão” e de “difícil convivência, por causa de crimes e falta de respeito com a mulher e o menor”.
Nesses locais, diz o bispo, crianças de 12 anos se prostituem em troca de comida ou de alguns trocados, muitas delas estimuladas pelos próprios pais. “Tenho que comunicar que não é uma problemática exclusiva da região do Marajó. Lá, está agravado”, afirmou. “Todo o Estado está tomado por essa execração que é a exploração sexual de menores.”
Outra área crítica destacada pelo bispo está localizada num trecho do rio Tajapuru, que margeia os municípios de Breves e Melgaço. Meninos e meninas de 12 a 16 anos aproveitam o percurso das balsas para subir nas embarcações e se prostituir em troca de carne ou óleo de cozinha. Pelo rio Tajapuru passam cerca de 75% da mercadoria e transporte humano movimentado na rota entre Belém até Macapá.
Figura 4: O rio Tajapuru, linha de acesso ao Alto Amazonas e outros locais, 2010 |
“Essa vergonha pública ainda segue de modo intenso. Os prefeitos de Melgaço e Breves, o Ministério Público, todos conhecem (essa realidade). Ninguém mexeu um só dedo para arrancar essa abominação”, diz o bispo. “O Estado entrou numa situação de ingovernabilidade”. E acrescentou: “Esta realidade de desfalecimento ético não só das famílias, como do Poder Público, tem que ser denunciada claramente.”
Por conta das denúncias que vêm realizando, outros dois bispos - dom Flávio Giovenale, de Abaetetuba, e dom Erwin Krautler, bispo do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) - também estão sendo ameaçados. Durante a 46ª Assembléia da CNBB, realizada em Indaiatuba, São Paulo, a entidade divulgou uma nota de solidariedade aos bispos ameaçados e que atuam na defesa dos direitos humanos e do meio ambiente na região amazônica. Existe uma proposta de que o documento seja encaminhado ao ministro da Justiça e à presidência da República.
Poder
O bispo do Marajó lembrou que há cerca de um ano e meio a Polícia Federal desbaratou uma quadrilha que se dedicava à exploração sexual e ao tráfico de seres humanos através da Guiana Francesa. Nos arquivos da organização criminosa, a polícia descobriu que 178 mulheres - 52 delas apenas em Breves - inclusive menores, haviam sido enviadas ao exterior através do esquema. “O responsável foi preso em Oiapoque. Apareceram seis advogados para tirá-lo da prisão. Isso indica o poder econômico de quem está por trás do tráfico de seres humanos”, diz o bispo.
No Aeroporto de Guarulhos, prenderam uma menina de 16 anos, de Portel, quando ela embarcava para Madri. Ela mesma disse: “Não sou a única. Dentro de alguns dias vêm outras mulheres”.
Em Portel, disse o bispo, há dois anos uma audiência pública foi realizada para tratar do abuso sexual contra uma menina de 14 anos, que, segundo dom Azcona, teria sido praticado pelo madeireiro Roberto Lobato da Cruz, filho do ex-prefeito da cidade, Ademar Terra da Costa.
Em 2006, as denúncias do bispo motivaram a ida a Portel de representantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. 'A Justiça ainda não aconteceu. ' Ele diz, ainda, que o promotor do caso foi afastado por conivência. “Ele pediu que elas (as menores) assinassem declaração de que tinham recebido 500 reais para mentir (que foram abusadas)”, afirma Azcona.
Também a estrutura do Estado para a reabilitação social está comprometida. Em dezembro, a delegacia de Portel tinha 61 presos num espaço para onze pessoas. Desses, 17 haviam sido acusados de envolvimento com o narcotráfico. Atualmente, segundo o bispo, todos estão soltos. Na carceragem feminina, das seis mulheres, cinco vinham do narcotráfico. Uma das detentas, sexagenária, era reincidente. “O tecido social do Marajó está se esfacelando cada vez mais. Dois prefeitos me disseram que, dentro de alguns anos, o narcotráfico iria eleger todos os prefeitos do Marajó”, afirma o bispo. “O Marajó está sendo refúgio de pessoas degeneradas.”
De acordo com a irmã Henriquetta Cavalcante, da CNBB, as denúncias de exploração sexual infantil e juvenil no Marajó foram levadas até a Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh). “Nossa indignação gira em torno da passividade e da lentidão de órgãos para investigar essas denúncias”, diz a religiosa.
Coordenador da Pastoral do Menor diz que juízes não comunicam prisões
André Franzine, coordenador regional da Pastoral do Menor no Pará e Amapá que acompanhou o caso da menor L., presa com 20 homens em Abaetetuba, preferiu não dar detalhes sobre a atual situação da família da garota. Afirmou que o caso da menina é semelhante ao de muitas outras no Pará que são levadas à prostituição. Sem citar o município onde ocorreu o fato, ele relatou o caso de uma garota de oito anos que ganhava alguns centavos para deixar que os homens pegassem em seus seios. “Em geral, o nosso Pará é o lugar da impunidade”, afirma Franzine.
Ele afirma que o problema é maior nas áreas ao redor dos grandes projetos de mineração, a exemplo de Vila do Conde, sul do Pará e Santarém. “São meninas que não dão trabalho pra polícia. Há juízes que nem comunicam a Defensoria Pública que o menino ou a menina está preso”, afirma. Ele também criticou o atendimento às vítimas. “Continua tendo um conselho tutelar só. Tem delegado que sai sem camisa da sala de plantão, nem ouvindo o que a vítima tem a falar”. Cinco meses depois do caso da menor em Abaetetuba, ele diz que a delegacia do município se encontra da mesma forma e não possui carceragem feminina.
Ele ressaltou que o narcotráfico está fortemente relacionado com a pobreza do município e observou que somente em Abaetetuba os traficantes operam cerca de 200 bocas de fumo. Sobre a juíza Clarice Maria de Andrade, titular da Comarca de Abaetetuba na época em que a menor L. Foi presa, ele afirmou: “Ela faz parte do poder público. Ela não faz parte de uma ONG. É muita coragem ela jogar a culpa sobre o Poder Público”.
Secretário admite lentidão entre denúncias e o combate a problemas
O governo do Estado reagiu com cautela às declarações do bispo do Marajó, dom José Luiz Azcona, 68 anos. O secretário em exercício da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), Roberto Martins, disse que, em reunião em março passado, com dom Erwin Krautler, da Prelazia do Xingu, e dom Flávio Giovenale, de Abaetetuba, todas as reinvindicações sobre proteção de autoridades religiosas foram tomadas as devidas providências pelo Governo do Estado.
Ele explicou que, no caso do Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, seria no mínimo injusto com a atuação deles em prol da sociedade não mantê-los com segurança no local de atuação, ao contrário do que acontece com os protegidos pelo ProVita. Nesse programa, a pessoa ameaçada é transferida do local de atuação para ter maior segurança. Mas ele reconhece que a segurança não garante proteção total. “A proteção é limitada, porque o contigente policial é insuficiente para proteger o universo de pessoas ameaçadas”, declarou. O secretário informou que existem no Pará quase 300 pessoas ameaçadas e em torno de 100 sob proteção oficial.
Roberto Martins explicou que todas as denúncias sobre exploração sexual de crianças e adolescentes feitas pelo bispo foram encaminhadas aos órgãos estaduais competentes, como as polícias Militar, Civil e à Polícia Federal, que atua em parceria. “Está sendo concluído um diagnóstico para a conclusão do plano estadual de ações integradas para enfrentamento do problema na Santarém-Cuiabá e nos municípios do Marajó”, garantiu.
Ele reconheceu que há uma certa demora entre a denúncia e o combate do problema, mas já existem programas de retaguarda sendo executados em favor da criança e do adolescente no Marajó. O secretário não soube informar quando vão acontecer ações para prisão e indiciamento de acusados de exploração sexual ou tráfico de pessoas no Marajó. Ele sabe apenas que os dados levantados pela área de inteligência das policias Federal, Militar e Civil estão sendo cruzados. A assessoria da Secretaria de Segurança Pública também não deu informações sobre as medidas tomadas após as denúncias do Bispo.
A assessoria da Secretaria de Integração Regional (SEIR) informou que no início de maio os governos Federal e Estadual vão lançar em Portel o Plano de Desenvolvimento Sustentável para o arquipélago do Marajó. Em nota, a assessoria disse que, com relação à prostituição infantil, o Plano Marajó prevê a implementação de programa de Proteção social às crianças e aos adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual, do Ministério do Desenvolvimento Social.
Fontes:
FRANÇA, G.V.de. Prostituição: um enfoque políticosocial. Femina, Rio de Janeiro, v. 22, n.2, p. 145- 148, fev. 1994.
Postado por Joel Pantoja, acadêmico do Mestrado de Comunicação, Linguagens e Cultura - UNAMA, 2011