sexta-feira, 8 de abril de 2011

Especial sobre Narrativas Orais do Marajó

    É pensando no significado que assume a oralidade como tradição cultural, que apresentamos o “Especial sobre Narrativas Orais do Marajó”, que tem como objetivo marcar a presença Tupi na formação das identidades socioculturais dos povos da floresta.
    Narrativas como “A Cidade Encantada, A Loira do São Pedro, Com Boto não se brinca etc”, nos ajudam a reconstituir uma memória a partir das relações que os habitantes do Marajó mantêm com a corporeidade, o ritmo da voz, as entonações, os nomes de objetos e lugares ao narrar as histórias que compõem o universo das linguagens e identidades marajoaras.

     Neste Blog, estaremos divulgando periodicamente o contar de moradores, herdeiros de saberes Tupi, que traduzem no seu modo de vida as experiências com a tradição oral como forma de organizar e explicar o mundo em sua volta.

Postado pelos alunos bolsistas do Projeto Nas Fronteiras das Narrativas Orais Tupi na Amazônia Paraense
Joel Pantoja
Maurício Correa
Pedro Leal
Raimundo Tocantins

Especial sobre narrativas orais do Marajó

            A Presença Tupi na Amazônia Marajoara

 

O arquipélago Marajoara, localizado ao Norte do estado do Pará, na Amazônia brasileira, é banhado pelo Oceano Atlântico e pela foz do rio Amazonas, sua extensão geográfica tem 50 mil Km2, é a maior ilha flúvio-marítima do planeta.
Divide-se geograficamente em: Marajó dos Campos conformado pelos municípios de Soure, Salvaterra, Cachoeira do Arari, Santa Cruz do Arari, Ponta de Pedras, Muaná e Marajó das Florestas composto pelos municípios de Breves, Afuá, Bagre, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho, Portel, Anajás, Gurupá e Melgaço.
Os “Marajós” Comportam histórias de povos e culturas em contínuas mediações culturais que interagiram, negociaram, criaram espaços de luta e resistência a partir do processo de colonização com portugueses, africanos e, contemporaneamente, com outros países estrangeiros.
Neste território, destacaram-se as regiões de Campos e Florestas, cujas constituições de seus modos de vida, deixam ver populações herdeiras de linguagens e saberes Tupi ainda hoje muito presente na forma como se comunicam e conduzem seu dia a dia.

Uma História de Maria da Luz Pereira

Há muito tempo atrás, no rio Ituquara, município de Breves-Pa, dona Maria da Luz Pereira aos 89 anos (atualmente falecida em 04/05/2009), contava para sua família algumas narrativas para explicar fatos acontecidos.
Segundo Maria da Luz, em um belo dia, uma linda moça conhecida como Francidalva menstruou pela primeira vez aos 17 anos. Mesmo sabendo de todos os fatos acontecidos e contados por seus descendentes sobre o boto, saiu para andar de casco e, conforme as crendices do nosso povo, uma moça quando menstrua não pode ir ao rio por causa do boto. Pois ele sente o cheiro do sangue e persegue a mulher, pode até apaixonar-se por ela, foi o que aconteceu, o boto apaixonou-se por Francidalva.
Quando a moça completou 20 anos, casou-se e ganhou um pedaço do terreno da sua mãe Dalila Ramos dos Santos. Nesse local, a jovem construiu um pequeno tapiri para morar. Passaram-se pouco tempo, a moça engravidou. Ela começou a se tratar com sua mãe que era parteira e cuidava de algumas pessoas doentes que a procuravam. No mês que Francidalva estava para ganhar bebê, a moça não quis ir para junto de sua mãe, contrariando a tradição entre as parteiras de cuidar das mulheres paridas até findar o período de resguarde. 
Francidalva não quis ter o filho na casa de sua mãe, mas ela fez o parto e deixou-a em seu tapiri. O marido de Francidava, João Mateus, gostava de sair para peraquerar todas as noites e não entendia que sua mulher estando de resguarde poderia ser perseguida pelo boto, deixava ela sozinha. Os dias foram passando e Francidalva começou a ficar triste e indisposta, pois não conseguia nem levantar-se mais de sua rede. A sua mãe sendo muito esperta começou a perceber e entender tudo que estava acontecendo e falou para o marido de Francidalva “você precisa ficar de tocaia pra ver o que acontecendo com sua mulher!”.
Na noite seguinte, João Mateus fingiu ter ido peraquerar, fez um rodeio com seu casco no rio, entrou na mata e ficou de tocaia perto do tapiri pra ver o que acontecia. Em pouco tempo depois que ele saiu, o boto chegou e foi direto para a rede com a intenção de deitar com Francidalva. Então, o marido compreendeu toda aquela indisposição e veio com uma arma pra matar o boto que ali estava, transformado em homem, mas o boto foi atento, correu e pulou na água. Conforme Maria, o fato acontecido fez com que a família viesse morar na cidade.
 Autora: Maria da Luz Pereira
 Acadêmicos: Benedita do Socorro Pereira Pinheiro, Bibiana Farias dos Santos, Eliete do Socorro da Costa Marques, Iracema dos Passos Pinheiro
 Postado por Raimundo Tocantis, Pedro Leal, Joel Pantoja, Maurício Corrêa

Com Boto não se Brinca

Segundo, Joaquim Nunes da Costa tudo começou na vila Mainard, à margem do rio Jaburú, município de Breves onde vivia uma família evangélica de seis pessoas, uma delas, era um rapaz conhecido pelo apelido de Pretite.
Certo dia, Pretite e seu primo saíram da vila Mainard de canoa até o outro lado do rio para fazerem uma compra num pequeno comércio que lá existe. Na volta para sua casa aconteceu um fato estranho com eles.
De repente, vários botos começaram a boiar ao redor da canoa e os dois ficaram assustados com o que estava acontecendo. Então Pretite falou brincando: “Bem que uma bota dessa poderia vim dormir comigo hoje à noite lá em casa!” Isso ele falou por volta das 18:00 horas. O primo de Pretite respondeu: “Com boto não se brinca!”.
Estava muito bonito o luar, Pretite estava deitado em sua rede inquieto, não conseguia dormir. Às 23:00 horas, ele ouviu um barulho no trapiche. Pretite se levantou da rede, olhou pela brecha da parede e viu uma moça muito bonita, vestida de branco, olhos azuis, cabelos longos e loiros.
Ao vê-la admirou-se, mais em seguida sentiu medo. Pois a moça produziu um som ao andar como se estivesse de sapato alto, mas na verdade a mesma estava descalça e tinha os pés virados para trás. Nesta primeira noite, a jovem não entrou na casa e a meia noite ela desapareceu.
Na segunda noite, o fato se repetiu, sendo que desta vez ela entrou na casa. Pretite estava dormindo, acordou de repente e se assustou com a moça que estava olhando para ele na beira da rede e ela falou: “Você me chamou e eu estou aqui”. Logo se lembrou do que havia dito, quando voltava do comércio no momento em que foram rodeados pelos botos na canoa.
 Na terceira noite, os encontros se sucederam e eles se tornaram íntimos, porém sua família percebeu que ele estava agindo de forma estranha, pois parecia que ele andava falando com uma outra pessoa, a qual eles não podiam vê-la. Neste momento, sua mãe lhe perguntou: “o que está acontecendo com você? Suas atitudes mudaram, pouco tempo você dorme, anda inquieto como se estivesse sempre esperando algo”.
Pretite decidiu contar tudo para sua mãe. Com isso, sua mãe ficou muito preocupada, reuniu a família para tomarem juntos uma atitude. Como a família era evangélica, resolveram chamar o pastor para orar na cabeça de Pretite, com o objetivo de expulsar o espírito maligno. Mesmo depois das orações, não adiantou nada a intercessão do pastor porque a moça continuou suas visitas rotineiras.
Em uma noite de luar, a moça o convidou para ir ao trapiche, chegando lá ela tocou a água e lhe mostrou a imagem de seu mundo, sua casa e prometeu toda riqueza daquele lugar tentando de todas as maneiras convencê-lo a viajar para seu mundo, mas suas tentativas foram em vão.
Os dias passaram, o rapaz sem saber o que fazer com aquela situação tomou uma decisão, resolveu conhecer o outro mundo sem que sua família soubesse. À noite para sua surpresa, quando esperava ansiosamente pela moça, apareceu uma linda morena alertando-o de que não aceitasse nada de que a moça lhe desse para comer e estivesse sempre atento para qualquer outra tentativa, pois sua real intenção era levá-lo.
A partir do momento que ele fosse com ela, não teria mais volta, ele nunca mais veria sua família. Foi quando ele perguntou: “mas quem é você?” Ela respondeu: “Sou alguém do mesmo mundo que você quer conhecer, mas que quer o seu bem, por isso não vá para lá”. Depois, a moça se despediu e desapareceu na água.
Pouco tempo depois, a linda moça como de costume apareceu propondo algo novo, que deitasse juntos na mesma rede e assim aconteceu, ao tocá-la sentiu sua pele gelada e foi como se acordasse de um sonho, de imediato lembrou-se da palavra da moça morena que o alertara minutos antes. Levantou bruscamente da rede mandando-a ir embora, pois percebeu como era estranha ao tocá-la.
No dia seguinte, desesperado e com muito medo, sem que sua família soubesse procurou ajuda de um senhor mais antigo do lugar e este lhe aconselhou que mudasse para a cidade de Breves e na casa que fosse morar deveria ficar sete dias trancado. Pois seria a única maneira de afastá-la, mesmo assim, talvez tentasse novamente persegui-lo. Mas como ela vivia na água, não resistiria por muito tempo.
Por fim, ele se mudou para a cidade como previsto, a jovem ainda tentou persegui-lo, mas sua tentativa foi em vão. Ele se trancou em seu novo lar por sete dias. Logo nos primeiros dias ainda viu a moça pela brecha da casa, porém como continuou trancado o encanto se quebrou e ainda hoje o Pretite reside na Rua Sebastião Amado na cidade de Breves/Pa.
 Narrador: Joaquim Nunes da Costa, 69 anos de idade

Postado por: Pedro Leal, Raimundo Tocantins, Mauricio Corrêa e Joel Pantoja.

              

A Loira do São Pedro

A Cidade Encantada

Uma História de Ponta de Pedras

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Dia do Índio - Mês de Abril

Crianças Kaingang em Porto Alegre - Foto: Monica Cruvinel
Todos os anos, quando se aproxima o dia 19 de abril, o Dia do Índio, as escolas e a mídia logo se movimentam para "prestar uma homenagem ao "índio".
O grande problema desta história é que tanto a escola como a mídia, de uma maneira geral, falam de um índio genérico, como se fossem todos iguais, tivessem uma mesma cultura, falassem a mesma língua. Talvez fosse melhor dizer que dia 18 de abril é o dia dos Aikewára, dos Tembé, dos Mbyá-Guarani, dos Asuriní do Xingu, dos Ianomâmi, dos Maias, dos Incas...