sexta-feira, 19 de abril de 2013

A moderna mulher brasileira


Desde o semestre passado eu tenho me entrosado com os moços que estudam a história da ciência no Pará lá no Instituto de Educação Científica e Matemática da UFPA. Eu muito mais ouço do que falo, o que é raro, porque eles me ajudam muito a refletir sobre o conhecimento popular e o conhecimento científico, incrementando o debate que tento estabelecer na minha pesquisa de mestrado e na minha vida fora da academia. O grupo é coordenado por um físico e seus integrantes mais antigos são homens mestrandos e doutorandos com formação em física, química e biologia.

No encontro de hoje, debatemos um texto sobre a obra de José Veríssimo chamada “A Educação Nacional” que foi publicada primeiramente aqui no Pará em 1890. O texto é de autoria da professora e pesquisadora Maria do Perpétuo Socorro G. de S. A. França. A autora faz uma exposição sobre o pensamento de José Veríssimo sobre a questão da educação brasileira naquele momento de transição do Império para a Nova República, e apesar de ter sido escrito no século XIX, o texto de Veríssimo é rico em complexidade e nos possibilita uma reflexão extremamente contemporânea.

Como o texto também apresenta a questão da educação da mulher brasileira daquele momento (p. 193), um dos rapazes questionou a nós mulheres, que hoje estamos compondo o grupo também, sobre a nossa percepção a respeito das questões da “mulher moderna” e foi pontuando algumas coisas que ele tem enxergado nas mulheres e na atualidade.

Acho que nenhuma pergunta poderia ser tão oportuna. Pelo momento que tenho vivido e nos movimentos que tenho buscado fazer junto a algumas mulheres do meu convívio (mais recente ou mais antigo). Aguardei que uma moça falasse sobre como ela se percebe no contexto dos apontamentos e ao fazer aquele famoso “filme sobre minha vida”, deparei-me com uma dúvida sobre os questionamentos que ele fazia: “de que mulher moderna você está falando?” Perguntei.

Veja bem, continuei. A mulher brasileira não é uma mulher. Não existe a mulher brasileira. Nunca existiu. Superficialmente, penso imediatamente em pelo menos quatro mulheres brasileiras: a indígena, a negra e a branca. Então de que mulher moderna brasileira você está falando? Repeti.

Recentemente, aprendi a ver os vários perfis de mulheres indígenas existentes no Brasil contemporâneo, como bem me apresentou a professora Ivânia. A mulher indígena que vive da terra e busca cultivar sua ancestralidade com base nessa experiência também. Essa mulher pode ser agricultora, militante, mãe, usuária das tecnologias disponíveis na contemporaneidade. Então como será que essa mulher se sente ante a “modernidade”? Será que uma mulher indígena que opte por viver no urbano pode ir a uma entrevista de emprego usando o cocar, que é uma das marcas identitárias de sua tribo? Essa mulher será aceita nessa modernidade?

E a mulher negra moradora da periferia ou dos centros, de 22 anos, como a Bruna Raiol ou de 29 anos como a Nega Suh? Como se sentem essas mulheres nessa modernidade? E eu? Como me sinto? Fiz algumas escolhas, sim, mas nada impede que eu mude de ideia e que minhas escolhas sejam reconfiguradas. Posso não ser mãe hoje, mas ano que vem posso desejar ser mãe e ainda assim não abrir mão de outras escolhas feitas anteriormente. É costumeiro ouvir que a mulher de 35 anos solteira e sem filhos não nasceu pra casar porque ela é independente. Mas qual a conexão entre as duas opções? Não posso ser independente e decidir não ser solteira? E mais, será que ao me reconhecer em minha ancestralidade e, da mesma forma que aquela indígena, eu for a uma entrevista de emprego usando o turbante que a minha mãe me ensinou a usar e que era característico das primeiras mulheres negras africanas que foram escravizadas no Brasil? Será que sou moderna o suficiente para ser aceita nesse emprego?

Quanto às mulheres brancas, a facilidade de aceitação parece estar estabelecida. Mas e se essa mulher for casada com outra mulher? E se essa mulher for casada com um homem, mas também se relacionar com mulheres? Como essa mulher é aceita nessa modernidade? E se naquela entrevista de emprego, se questionada sobre seu estado civil ela responder que é casada e que sua mulher está grávida? Essa modernidade aceitará essa mulher?

E mais, se uma mulher faz questão de ser dona de casa aos 30 anos para cuidar da filha e combina com o marido que ele será o responsável pela manutenção econômica da família? Essa mulher não é moderna? Ela será aceita por essa modernidade?

O que legitima, então, uma “mulher moderna”?

Compreendo que essa é aquela vontade de verdade presente nos discursos hegemônicos. A mulher moderna é rotulada, exigida e treinada para ser “super mulher”. Tal qual na educação da mulher no século XIX, como mostra o texto que debatemos.

Eu não aceito esse rótulo. Não quero ser moderna, nem “super mulher”. Mas quero protagonizar minha história, disso não abro mão. E penso que muitas mulheres já conseguiram alcançar esse protagonismo, ainda assim não é o caso de todas, mesmo as muitas que se adaptam a esse novo discurso hegemônico e colonialista do “papel da mulher moderna”.

Quero concluir dizendo que não compreendo a existência de uma mulher moderna brasileira, mas que existe uma diversidade de mulheres brasileiras, como sempre existiu. Porque lá no texto do Veríssimo, quando ele descreve a educação enciclopédica que a mulher recebia no século XIX, ele não considera a diversidade de mulheres existentes já naquela época, visto que a educação feminina era voltada apenas para a mulher branca aristocrata.

Ao final da minha intervenção, três homens começaram a contar alguns detalhes de seus casamentos e falaram de suas mulheres.

Cada mulher que eu citei naquele momento é uma mulher real em minha vida. Não pude me permitir o reforço do estereótipo, porque entra as mulheres brasileiras que eu conheço nenhuma é invencível, são todas humanas e estão construindo histórias tão diferentes que eu não pude me calar.
Thiane Neves
Fonte: http://www.facebook.com/nazare1977/posts/10200859811675886?comment_id=6042237&offset=0&total_comments=4&notif_t=mentions_comment
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário