terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

OS HOMENS SÃO DIFERENTES

“Sou um arqueólogo e o Homem é meu campo de estudo. Entretanto, cogito se alguma vez chegaremos a conhecer o Homem – isto é, o que realmente o torna diferente de nós, robôs – através das escavações nos planetas mortos. Por exemplo, uma vez eu conheci um Homem, e as coisas não são tão simples quanto nos contam na escola”.
Nós temos poucos registros, naturalmente, e robôs como eu estão tentando preencher as lacunas, mas penso que estamos chegando a nada de concreto. Nós sabemos, ou pelo menos os historiadores nos dizem, que os homens são originários de um planeta chamado Terra. Sabemos ainda que eles viajaram corajosamente de estrela para estrela e em todos os lugares onde pararam deixaram colônias – Homem ou Robôs, e às vezes ambos – aguardando sua volta, mas nunca voltaram.
Aqueles foram os dias de glória do mundo. Teremos nós envelhecido? O homem tinha uma centelha ardente – o termo antigo “é divino", penso – que o impelia através das grandes noites dos céus, e não mais nos ligamos à grande teia que eles teceram.
Nossos cientistas contam que o Homem é muito semelhante a nós – o esqueleto, por exemplo, é praticamente o mesmo de um Robô, excetuando-se o fato de que é composto de cálcio, em vez de titânio. Fala-se eruditamente em uma "pressão da população" como uma "força impulsionando em direção às estrelas". Sem dúvidas, há outras diferenças.
Foi em minha última pesquisa de campo, em um dos planetas interiores que encontrei um Homem, que deve ter sido o último Homem desse sistema, e tinha estado sozinho por tanto tempo que nem mais conseguia falar. Depois que aprendeu nossa língua, demo-nos muito bem, e eu planejava até trazê-lo de volta comigo. Entretanto, alguma coisa lhe sucedeu.
Um dia, sem razão alguma, começou a queixar-se do calor. Verifiquei sua temperatura e concluí que seus circuitos termostáticos se tinham queimado. Eu tinha um jogo sobressalente comigo, e, como o dele obviamente não estava funcionando bem, lancei-me ao trabalho. Desliguei-o sem problema algum. Enterrei a agulha no seu pescoço para desligar o interruptor, e ele deixou de funcionar, como qualquer Robô. Mas quando eu o abri, por dentro era diferente. E, quando o montei de novo, não consegui fazê-lo funcionar.
Depois disso não sei explicar o que aconteceu. O fato é que ele foi se dissolvendo, e, na época em que eu estava pronto para voltar, mais ou menos um ano depois, apenas os ossos tinham sobrado. Sem dúvida alguma, o Homem deve ser diferente".
(Alan Bloch. Imaginação Ltda. São Paulo : Edartes, 1996)


É realmente muito difícil perceber o outro como diferente. Olhamos para ele com nossos próprios olhos, com a lente da nossa cultura. Neste processo, é difícil deixar de ser etnocêntrico. O robô do texto agiu com etnocentrismo em relação ao homem. Ele não considerou as diferenças. Certamente, em escolas que hoje reúnem alunos, professores e funcionários das mais diferentes etnias, de diferentes gêneros, de diferentes perfis socioeconômicos, um dos maiores desafios é conseguir não olhar para o “outro”, como olho o robô. Do contrário, mesmo com boa intenção, podemos silenciar, interditar, excluir.

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